Padre Anísio Baldessin, atual capelão do Hospital das Clínicas em São Paulo
Nesta última
reportagem especial sobre assuntos relacionados à bioética, o tema em
questão é a eutanásia. Se por um lado defende-se essa prática por ela
abreviar o sofrimento de um doente em estado terminal, por outro os
contrários a ela argumentam que, com doença ou não, trata-se de uma vida
que não pode ser tirada.
As primeiras discussões sobre eutanásia
surgiram com os ingleses por volta de 1900. O atual capelão do Hospital
das Clínicas em São Paulo, padre Anísio Baldessin, explicou que, nesta
época, avaliava-se mais a questão do custo-benefício em manter um
doente. Já na sociedade atual, a prática assume outra conotação.
“A
conotação que a eutanásia assume hoje é de solucionar um problema,
porém seria solucionar o problema de quem: da pessoa ou da sociedade?”,
disse. O padre comentou ainda a diferença entre eutanásia, distanásia,
ortotanásia e suicídio assistido, além de deixar um conselho para as
famílias de doentes em estado terminal. Veja abaixo a íntegra da
entrevista:
noticias.cancaonova.com - Desde quando existe a polêmica em torno da eutanásia e como ela foi sendo compreendida ao longo do tempo?
Pe. Anísio Baldessim–
A eutanásia começa a ser discutida pelos ingleses por volta de 1900, em
que se tinha a questão da Teoria da Evolução, de Darwin. Ele acreditava
que abreviar a vida das pessoas que eram consideradas inúteis, ou seja,
que não tinham uma perspectiva de colaboração para a sociedade, era
benéfico para a sociedade. Alguns apoiavam, outros se questionavam se
quem era inútil era a pessoa ou a sociedade. Então podemos dizer que, no
começo, foi mais relacionado à questão de custo-benefício; era visto
como se isso fosse proporcionar um bem para a sociedade, uma vez que não
traria custos, ou seja, se a pessoa não pode produzir como é que a
sociedade vai ter que arcar com os custos que essa pessoa produz? Hoje,
para nós, isso veio à tona, em se tratando de hospitais e de questões de
doenças, com o advento das Unidades de Tratamentos Intensivos (UTIs), a
partir da década de 1950, em que a tecnologia começou a prolongar a
vida. A conotação que a eutanásia assume hoje é de solucionar um
problema, porém seria solucionar o problema de quem: da pessoa ou da
sociedade? É o que se discute hoje.
noticias.cancaonova.com - Os
pesquisadores utilizam também os termos distanásia e ortotanásia para
determinar o fim da vida no caso de doentes terminais. Alguma dessas
práticas é considerada correta sob o ponto de vista da bioética?
Pe. Anísio –
Distanásia é o contrário da eutanásia. Eutanásia é tomar uma atitude
que venha abreviar o sofrimento da pessoa. A distanásia é o
prolongamento, seriam as chamadas “terapias inúteis”, que não vão
proporcionar bem estar algum às pessoas e isso também é questionável.
Aliás, hoje o que se discute muito é o que se pratica nos hospitais: a
eutanásia ou a distanásia? Com o advento da tecnologia, o que se
prolonga hoje é o sofrimento, e isso é decorrente do novo processo do
morrer. Então hoje o que a gente percebe na nossa realidade é mais a
distanásia do que propriamente a eutanásia. Falando num contexto
bioético, o que seria correto é a ortotanásia, ou seja, a morte no
momento certo. É preciso distinguir sim entre eutanásia e distanásia.
Distanásia seria prolongar a vida de maneira indeterminada com
sofrimentos e a ortotanásia seria não prolongar e nem abreviar, mas
saber a hora certa. O grande desafio, e isso é o que os bioeticistas
discutem, é qual é o momento certo de parar, existe esse momento? Na
visão bioética, o correto seria nem a eutanásia nem a distanásia, mas
sim a ortotanásia, a morte tranquila, sem sofrimento, sem abreviar e
também sem prolongar deliberadamente.
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"A melhor coisa é fazer com que a pessoa possa morrer perto daqueles que são importantes para ela", aconselha pe. Anísio
noticias.cancaonova.com - Qual a diferença entre eutanásia e suicídio assistido? As pessoas confundem esses dois termos?
Pe. Anísio – Existe
muita confusão. A eutanásia, na verdade, seria uma atitude direta, ou
seja, dar um medicamente para que a pessoa morra mais rápido. É como o
que o Dr. Morte fazia, ele fazia um procedimento que iria levar a pessoa
à morte num período curto de tempo. O suicídio assistido seria o
paciente desejar morrer e tomar algumas atitudes, como não comer, não
beber, não tomar os remédios. A pessoa que cuida estaria vendo essa
atitude, porém não tomaria nenhuma decisão, ficaria omisso diante de uma
atitude que o próprio paciente está fazendo. Isso é considerado ético?
Você não está provocando diretamente, você está assistindo o processo do
morrer, é uma questão bastante complexa, porque quando a pessoa não
quer viver, muitas vezes ela praticamente se entrega, talvez não tomando
uma atitude direta, mas interiormente vai se desligando e se deprimindo
e com isso acaba morrendo. Eu não sei se, concretamente, a pessoa que a
assiste tem alguma coisa a fazer nesse sentido. Então eu acho que não
dá pra saber se realmente é uma atitude ética aí nessa questão.
noticias.cancaonova.com - A
explicação para a eutanásia acaba sendo o fim do sofrimento do
paciente. Dessa forma, a morte acaba sendo encarada como uma solução.
Esse entendimento que se tem da morte condiz com o significado cristão
da morte?
Pe. Anísio – Para muitos realmente é a
explicação. Agora se nós partirmos do princípio cristão, a morte pode
ser uma solução de um problema, pode solucionar o problema do
sofrimento. Esse entendimento está certo? Se nós recordarmos o próprio
Papa João Paulo II, ele pediu para não ser levado para o hospital nos
últimos momentos, porque ele queria morrer em casa. Aí nós podemos
entender isso como uma eutanásia, uma abreviação da vida? Do ponto de
vista cristão, e nisso a Igreja é até um pouco avançada, ela diz que,
mesmo que a pessoa tenha todos os recursos, quando os recursos que serão
usados trarão mais sofrimentos do que benefícios, você deveria deixar a
pessoa, ou seja, quando os recursos tecnológicos trouxerem mais
malefícios, mais sofrimento do que benefício, então isso seria correto.
noticias.cancaonova.com - A
ética utiliza um termo técnico que é o chamado princípio do “duplo
efeito”, em que a pessoa, movida por uma única intenção, pode ter um
efeito desejado e um para-efeito indesejado. É o caso, por exemplo, em
que se ministra uma alta dose de medicamento visando sanar o sofrimento
do paciente, mas isso pode acabar causando a morte da pessoa. Isso é
aceito pela Igreja? Como distinguir esse princípio do duplo efeito da
eutanásia?
Pe. Anísio – Essa é uma questão muito
complicada, porque a primeira intenção daquele que coloca em prática o
princípio do duplo efeito é não provocar a morte, mas sim proporcionar
um bem estar para aquele que sofre. Porém o primeiro efeito é
inseparável do segundo. Ou seja, vai-se aplicar um medicamento para
aliviar a dor e sofrimento, mas ao mesmo tempo ele pode antecipar um
pouco a morte, porém, na visão cristã, com essa atitude não se está
querendo abreviar a vida. Este é o princípio que está sendo levado
adiante: não fazer o mal. Mas ao tentar fazer o bem, você pode causar um
certo mal, mas nesse caso seria o que a gente chama de um cuidado
paliativo, a pessoa não vai agir diretamente, mas sim de acordo com
aquilo que é possível. Mas é uma questão muito complicada, porque você
pode mascarar uma realidade.
noticias.cancaonova.com - O
senhor, como atual capelão do Hospital das Clínicas de São Paulo, lida
diretamente com doentes e também com suas famílias. Que conselho o
senhor daria para que pessoas que enfrentam enfermidades possam lidar
melhor com a situação, em especial no caso de doenças terminais?
Pe. Anísio –
Isto é uma coisa importante. Nesse ano em que a Campanha da
Fraternidade fala sobre saúde, tem uma parte em que ela fala “aprender o
bem morrer”. O que nós precisamos entender é que a morte faz parte da
vida. O meu pai, por exemplo, morreu fora do hospital, longe das
tecnologias e eu achei isso muito bom, porque na verdade o que se
prolonga não é a vida, mas sim o sofrimento da pessoa. Sempre que eu
tenho a oportunidade de conversar com as famílias, eu digo que a melhor
coisa é fazer com que a pessoa possa morrer perto daqueles que são
importantes para ela. É claro que há esperança, mas em meio à esperança
há sofrimento, eu sempre enfatizo muito isso para as famílias. Eu acho
que nós precisamos entender que o morrer faz parte do processo natural
da vida e nós temos que dar o direito para que a pessoa possa morrer,
mesmo quando se trata daquele que amamos, deixar as pessoas dizerem
adeus. Muitas pessoas me perguntam: “padre, mas será que é a hora do meu
pai morrer, da minha mãe morrer?”. Para nós que amamos as pessoas nunca
é hora. Nós precisamos aprender a arte do “bem morrer”. Nós fomos
preparados e esperados para nascer e eu acho que nós precisamos aprender
também a arte de “bem morrer”.
Fonte: noticias.cancaonova.com
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