Saiba como os primeiros padres da Igreja defendiam a fé católica
No século II e seguintes foi fundamental para a expansão do Cristianismo o trabalho dos grandes Padres que escreveram as Apologias em defesa da fé católica e dos cristãos perseguidos. Eles escreveram inclusive aos imperadores romanos. Sua missão foi a de explicar a fé cristã de modo compreensível pelas quais os mártires entregavam a vida. Foi na Grécia que teve início a apologética cristã com o ateniense Kodratos (ou Quadrato) no tempo do imperador Adriano (117-138), a quem escreveu uma carta explicando a doutrina cristã.
Entre eles encontramos Santo Inácio de Antioquia(†107). Também a Carta já citada do autor desconhecido, escrita a Diogneto, que educou o imperador Marco Aurélio, é uma bela apologia cristã, e diz:
“O Cristianismo não é uma invenção terrena, nem tampouco um amálgama de mistérios humanos. É a verdade, a palavra santa, inabarcável, enviada aos homens pelo próprio Deus, o Todo-poderoso, o invisível criador do Universo”.
Conheça alguns dos Padres Apologistas:
Aristides de Atenas
Aristides (†130), filósofo cristão de Atenas, escreveu também ao imperador Adriano (117-138) defendendo a fé cristã. Eusébio afirma:
“Aristides, também ele, que era um fiel seguidor de nossa religião, deixou como Quadrato, em favor da fé, uma apologia que havia endereçado a Adriano. Sua obra é igualmente conservada até o presente em um grande número”.
Aristides mostra a grandeza do Cristianismo em relação às religiões antigas. A versão siríaca da obra foi encontrada em 1889 pelo americano J. Rendel Harris no mosteiro de Santa Catarina no monte Sinai. A obra tem 17 capítulos e mostra a corrupção, os erros e desvios da religião pagã e a verdade da fé cristã. O estilo é simples, direto e franco e mostra a coragem do autor em atacar os gregos, latinos, judeus e egípcios abertamente.
A Apologia ataca severamente o politeísmo dos caldeus, gregos e egípcios, e, mesmo admitindo que os judeus adoram o Deus verdadeiro, acusa-os de terem desprezado a salvação da humanidade trazida por Jesus, por não reconhecer que ele é o Messias. Afirma que os cristãos possuem o verdadeiro conhecimento de Deus e são diferentes de todos pela pureza de seus costumes.
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São Justino (†165)
São Justino, mártir, foi o maior apologista no tempo do imperador Antonino Pio (138-161); escreveu ao imperador e filósofo estoico Marco Aurélio (161-180), defendendo os cristãos (Apologia). Nasceu em Naplusa, Palestina, e desde jovem passou pelas principais escolas de filosofia de sua época (estoicismo, aristotelismo, pitagorismo, platonismo); finalmente conheceu os profetas do Antigo Testamento e assim chegou a Cristo. Dizia que “o Cristianismo é a verdadeira filosofia”. Para ele a filosofia não era para vãs especulações, mas para a busca da verdade, “um bem muito precioso que conduz a Deus”.
Convertido por volta do ano 130, ele não abandonou a filosofia, ao contrário, a usou para expor e defender o Cristianismo também à luz da razão. Dizia que: “Se uma vez iluminados, não derdes testemunho da justiça, tereis de prestar contas a Deus”. Estabeleceu sua escola em Éfeso por volta de 150 e depois em Roma, onde os filósofos pagãos se inquietaram e começaram a ter inveja dele. Justino continuou leigo e dizia-se “um simples membro do rebanho cristão”, mas era tão respeitado que em Roma era tido como um dos chefes da Igreja.
Deixou duas Apologias e o Diálogo com Trifão, judeu. Para Justino, o Cristianismo é a filosofia completa e revelação total, concepção perfeita do mundo e regra de vida e caminho da salvação. Para ele toda a filosofia pré-cristã já participa da razão que é a “semente do Verbo” e assim “todos os princípios justos que os filósofos descobriram foram graças a uma participação no Verbo que eles esperavam”. Foi o próprio Cristo quem iluminou progressivamente a inteligência humana.
Assim Justino fez o platonismo e o filonismo desembocarem no Cristianismo, e terá seguidores em Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino. Ele fez da teologia do Logos, um método universal de pensamento. Isto faz-nos lembrar o que João Paulo II disse na Encíclica: Fides et Ratio “A fé e a razão são as duas asas com as quais o espírito humano alça voo para contemplar a verdade” (nº 1).
Superando Fílon e a Epístola a Barnabé, São Justino soube entender que “todas as prescrições de Moisés são tipos, símbolos, anúncios do que devia acontecer a Cristo”.
No ano 163 São Justino foi acusado e preso na forma da lei por seu inimigo, o filósofo Crescêncio, a quem derrotara num debate público, no governo de Marco Aurélio (161-180). Por isso, foi condenado à morte com seis de seus discípulos, por ter-se recusado a sacrificar aos deuses. Foi interrogado pelo prefeito de Roma e confirmou firmemente a sua fé. Cortaram-lhe a cabeça.
Tácito, nascido na Assíria, o autor do Evangelho compilado, o Diatessaron, foi seu aluno, mas infelizmente, por orgulho, enveredou na heresia gnóstica que proibia o casamento. Depois que a Igreja romana o expulsou em 172, ele fundou na Síria a sua seita.
São Justino defendia a teoria do Verbo seminal. Onde há verdade, esta foi comunicada pelo Verbo de Deus. A filosofia grega contém gérmens de verdade, que o Verbo lhe transmitiu através do Antigo Testamento. Também todo homem possui no seu íntimo um gérmen do Verbo, que o capacita a conhecer a verdade. Após a vinda de Cristo, a plenitude da verdade se acha entre os cristãos. O Concílio Vaticano II confirmou isso na Unitatis redintegratio e na Dignitates humanae, dizendo que há “sementes do Verbo” mesmo nas outras religiões. O Catecismo diz que:
“A Igreja reconhece nas outras religiões a busca, ‘ainda nas sombras e sob imagens’, do Deus desconhecido, mas próximo, pois é Ele quem dá a todos vida, sopro e todas as coisas, e porque quer que todos os homens sejam salvos. Assim, a Igreja considera tudo o que pode haver de bom e de verdadeiro nas religiões como uma preparação evangélica, dada por Aquele que ilumina todo homem para que, finalmente, tenha a vida” (LG 16, NA 2, EN53) (§843).
O paralelo Eva-Maria foi formulado por São Justino pela primeira vez. Eva virgem [antes de se relacionar com Adão], pela desobediência, trouxe a morte ao mundo; Maria virgem pela sua fé trouxe a Vida-Cristo à humanidade.
Apolinário de Hierápolis
Foi bispo de Hierápolis, hoje na Turquia, na época do imperador Marco Aurélio (161-180). O bispo de Cesareia, Eusébio, em sua História eclesiástica diz que ele escreveu um Discurso ao imperador Marco Aurélio, cinco Livros contra os gregos, dois Livros sobre a verdade, dois Livros contra os judeus, e alguns tratados Contra os montanistas (HE, 4,27), mas essas obras não chegaram até nós. Teria escrito ainda uma obra Sobre a Páscoa (Manzanares, 1999).
Atenágoras de Atenas
Atenágoras de Atenas (†181), era filósofo; pouco se sabe sobre ele; nem Eusébio e nem São Jerônimo falam dele. Metódio de Olimpo faz uma menção sobre ele em sua obra Sobre a Ressurreição (I, 37, 1). Suas obras revelam uma pessoa culta, com boa retórica, simpático à filosofia grega e hábil ao escrever; uma alma cristã, pacífica e pura.
Pelo que se sabe escreveu uma Petição em favor dos cristãos (37 capítulos) e um Tratado sobre a ressurreição dos mortos (25 capítulos). A primeira para refutar as acusações contra os cristãos. Se dirige aos imperadores Marco Aurélio e Lúcio Aurélio Cômodo, seu filho, expondo as razões de sua petição, defendendo os cristãos da acusação de ateísmo, incesto e antropofagia, acusações falsas, mas levadas a sério pelas autoridades, difamando os cristãos e levando-os à morte. Vejamos alguns trecho da Petição pelos cristãos:
“Quanto a nós, que somos chamados cristãos […] comportamo-nos de modo mais piedoso e justo do que ninguém, não só diante da divindade, mas também em relação ao vosso império, permitis que sejamos acusados, maltratados e perseguidos, sem outro motivo para que o vulgo nos combata, a não ser apenas o nosso nome […] vos suplicamos que também a nós deis alguma atenção, para que cesse, finalmente, a degolação a que nos submetem os caluniadores” (Padres Apologistas, cap. 1, p. 121-122).
“Se alguém é capaz de nos convencer de termos cometido uma injustiça, pequena ou grande, não fugiremos do castigo, mas pedimos antes que se nos inflija o que for mais áspero e cruel. Mas se a nossa acusação é tão somente o nome – e pelo menos até hoje o que se propalam sobre nós é apenas vulgar e estúpido rumor das gentes, e não foi provado que algum cristão tenha cometido um crime – a vossa questão é como imperadores máximos, humaníssimos e amicíssimos do saber, rejeitar por lei a calúnia feita contra nós, a fim de que, assim como toda a terra, pessoas particulares e cidades gozam de vosso benefício, também nós vos possamos agradecer, glorificando-vos por termos deixado de ser caluniados. Com efeito, a vossa justiça, não diz que, quando se acusa a outros, não se pode condená-los antes de tê-los interrogado? Quanto a nós, porém, vale mais o nome do que as provas do julgamento, pois os juízes não buscam averiguar se o acusado cometeu algum crime, mas tratam-no com insolência por causa do nome, como se fosse crime. Entretanto, em si e por si, um nome não pode ser considerado bom ou mau, e sim que pareça bom ou mau conforme sejam boas ou más as ações que ele supõe. Sabeis disso melhor do que ninguém, pois sois formados na filosofia e em toda a cultura […]”.
“Os que sabem que não suportamos sequer a vista de uma execução capital segundo a justiça, como nos irão acusar de assassinato ou de antropofagia? Quem dentre vós outros não gosta das lutas dos gladiadores ou das feras, e não preza os que as organizam? Quanto a nós, porém, pensamos que o ver morrer se aproxima do matar, nós que nem queremos ver matarem, para não nos mancharmos com tal impurezas? Ao contrário afirmamos: os que praticam o aborto cometem homicídio e irão prestar contas a Deus, do aborto. Por que razão haveríamos de matar? Não se pode conciliar o pensamento de que a mulher carrega no ventre um ser vivo, e portanto objeto da providência divina, com o de matar cedo o que já iniciou a vida […]” (Padres Apologistas, p. 121).
Santo Hipólito de Roma
Santo Hipólito de Roma (160-235) – discípulo de Santo Irineu (140-202), foi célebre na Igreja de Roma, onde Orígenes o ouviu pregar. Escreveu contra os hereges, compôs textos litúrgicos, escreveu a Tradição Apostólica, na qual retrata os costumes da Igreja no século II e III: ordenações, catecumenato, batismo e confirmação, jejuns, ágapes, eucaristia, ofícios e horas de oração, sepultamento, etc.
Transmitiu-nos muitas informações sobre diversas ordens da época como os sacerdotes e diáconos, os confessores, as viúvas, as virgens, os subdiáconos e os que tinham o carisma das curas, o que mostra o caráter carismático da época.
Santo Hipólito foi o primeiro antipapa eleito por um grupo influente no tempo dos Papas Calisto (217-223), Urbano (223-230) e Ponciano (230-235), por considerar os Papas muito indulgentes com os pecadores. Finalmente foi exilado pelo imperador Maximino, o Trácio (235-238), na Sardenha, junto com o Papa São Ponciano; os dois renunciaram a Sede romana e morreram mártires em 235. Foram ambos canonizados pela Igreja. Infelizmente muitas obras de Santo Hipólito foram destruídas por ter a fama de herege e cismático.
Teófilo de Antioquia (†181)
Talvez foi o último Padre Apologista do século II, também foi bispo de sua cidade em 170, conforme informa-nos Eusébio de Cesareia:
“É sabido que, na igreja de Antioquia, Teófilo é conhecido como o sexto bispo depois dos Apóstolos, pois Cornélio foi instalado como o quarto depois de Herão, nesta cidade, e após, em quinto lugar Eros recebeu o episcopado” (HE, IV, 20, p. 205).
Em sua obra A Autólico podemos ter algumas, porém poucas informações sobre ele. Nasceu na Mesopotâmia, na região dos rios Tigre e Eufrates. Sua família era pagã e converteu-se ao Cristianismo já adulto. Escrevendo A Autólico diz:
“Eu também não acreditava que isso existisse, mas agora, depois de refletir muito, eu creio; ao mesmo tempo li as Sagradas Escrituras dos santos profetas, os quais inspirados pelo Espírito de Deus, predisseram o passado como aconteceu, o presente tal como acontece e o futuro tal como se cumprirá. Por isso, tendo a prova das coisas acontecidas depois de terem sido preditas, não sou incrédulo, mas creio e obedeço a Deus” (Padres Apologistas, 1,4, p. 217).
Os três livros A Autólico, é uma apologia do Cristianismo, escrito a um amigo pagão, onde se esforça para responder às objeções e às acusações pagãs e mostrar a superioridade do Cristianismo em relação às demais filosofias.
Teófilo escreveu uma obra Contra a heresia de Hermógenes; foi grande combatente contra o gnosticismo, para isso escreveu a obra Contra Marcião conforme nos informa Eusébio (HE, IV, 24) e São Jerônimo (De vírus illustribus, 25).
Assista também: O que é Patrística?
Clemente de Alexandria (†215)
Seu nome é Tito Flávio Clemente, nasceu em Atenas por volta de 150. Viajou pela Itália, Síria, Palestina e fixou-se em Alexandria, como discípulo de Panteno no ano 200, a quem sucedeu como chefe da famosa escola de catecúmenos desta cidade. Panteno nasceu na Sicília, foi filósofo estoico antes de se converter ao Cristianismo, foi missionário até na Índia. H. I. Marrou atribui-lhe a redação da Epístola a Diogneto; que outros especialistas dizem ser de Quadrato ou de Santo Hipólito de Roma (Manzanares, 1999, p. 91 e 169).
Esta escola de Alexandria foi o centro mais antigo de teologia; desejava apresentar a fé de maneira sistemática e global. Foi bastante impregnada pela filosofia de Platão e a adoção do método alegórico de interpretação das Escrituras. Nesta famosa escola estiveram também Amônio, Santo Atanásio, São Cirilo, Dionísio, Orígenes, Panteno, Piério e Pedro de Alexandria.
Durante a perseguição de Septímio Severo (203) fugiu para o Egito, indo para a Capadócia na Ásia Menor, onde morreu exilado em 215. Seu grande trabalho foi tentar a aliança do pensamento grego com a fé cristã. Dizia: “Como a lei formou os hebreus, a filosofia formou os gregos para Cristo”. Deixou muitas obras: Exortação aos helenos, Os Stromata ou Tapices, mas muitas se perderam. É considerado o fundador da teologia especulativa e combateu o gnosticismo. Optou por construir uma gnose cristã onde harmonizava a fé e o conhecimento. Em sua obra O Pedagogo, Clemente apresenta Cristo como o educador dos crentes e mostra como o cristão deve viver.
Outros Padres importantes do século II foram Melitão de Sardes e Minúcio Félix. Melitão (†177) foi bispo de Sardes no século II; sabemos pouco sobre a sua vida; escreveu ao imperador Marco Aurélio (161-180) por volta do ano 170, sugerindo bom entendimento entre a Igreja e o Estado. Esta é uma das poucas de suas obras que chegou até nós.
Minúcio Félix (175-220) é o autor do diálogo Octavius; apresenta a troca de ideias entre o cristão Otávio e o pagão Cecílio Natalis; refuta as acusações contra os cristãos e traça um quadro atraente da vida destes. Segundo Renan, o Octavius “é a pérola da literatura apologética”, redigido em latim e não em grego como os demais escreveram. Minúcio era um advogado cristão de Roma.
Retirado do livro: “História da Igreja – Idade Antiga”. Prof. Felipe Aquino. Ed. Cléofas.
Fonte: cleofas.com.br
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