sexta-feira, 24 de março de 2023

As vestes e as cores litúrgicas


É natural que cada sociedade ou conjunto humano procure encontrar uma forma de vestir-se que de algum modo o defina e diferencie. Pensemos, por exemplo, nos trajes típicos das diversas regiões europeias, cuja variedade até hoje nos surpreende.

Lembremos também os vestuários de certas profissões, como a toga do magistrado, ou o gorro do cozinheiro, um “trambolho” pouco prático que, entretanto, caracteriza perfeitamente quem com ele se cobre.

As roupas têm, pois, uma dimensão simbólica que ultrapassa sua mera utilidade prática. Mais do que cobrir e proteger o corpo, elas revelam a situação, o estilo e a mentalidade de quem as veste.

Assim, o branco do vestido nupcial representa a virgindade da donzela, e a riqueza dos seus adereços visa realçar a importância do compromisso matrimonial, abençoado por Deus com um Sacramento. O saial e o tosco cordão do franciscano lembram seu casamento místico com a “Dama Pobreza”, enquanto o vermelho vivo da batina cardinalícia indica a alta dignidade do membro do Sacro Colégio e evoca seu propósito de, se for necessário, derramar seu próprio sangue pelo Sumo Pontífice.

Os paramentos sacerdotais: “Revestir-se de Cristo”

Este simbolismo que podemos apreciar na vida cotidiana, verifica-se com muito maior intensidade nas vestes litúrgicas, especialmente nas da Celebração Eucarística.

Ao ser ordenado, o sacerdote reveste- se de Cristo, e esse fato é representado em cada Santa Missa. Conforme ressaltou Bento XVI na Missa Crismal de 5 de abril de 2007, vestir os paramentos litúrgicos é entrar sempre de novo “naquele ‘já não sou eu’ do Batismo que a Ordenação sacerdotal nos dá de modo novo e ao mesmo tempo nos pede. O fato de estarmos no altar, vestidos com os paramentos litúrgicos, deve tornar claramente visível aos presentes e a nós próprios que estamos ali ‘na pessoa do Outro'”.

Depois de afirmar que as vestes sacerdotais são uma profunda expressão simbólica do que significa o sacerdócio, o Papa acrescentou: “Portanto, queridos irmãos, gostaria de explicar nesta Quinta-Feira Santa a essência do ministério sacerdotal, interpretando os paramentos litúrgicos que, precisamente, pretendem ilustrar o que significa ‘revestir-se de Cristo’, falar e agir in persona Christi”.

Através das explicações do Papa, procuremos conhecer melhor cada um dos paramentos utilizados pelo sacerdote durante a Missa.

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O olhar do coração deve dirigir-se ao Senhor

Após lavar as mãos, pedindo a Deus para “limpá-las de toda mancha”, o sacerdote coloca o amicto ao redor do pescoço e sobre os ombros, rezando: “Imponde, ó Senhor, sobre minha cabeça o elmo da salvação, para defender-me de todos os assaltos do demônio”.

O nome deste paramento provém do latim amictus (cobertura, véu) e sua origem remonta ao século VIII.

Sobre seu simbolismo, afirma Bento XVI na mencionada homilia: “No passado – e nas ordens monásticas ainda hoje – ele era colocado primeiro sobre a cabeça, como uma espécie de capuz, tornando-se assim um símbolo da disciplina dos sentidos e do pensamento, necessária para uma justa celebração da Santa Missa”.

Logo a seguir, o Papa dá exemplos concretos dessa “disciplina dos pensamentos e sentidos” que o sacerdote deve manter durante a celebração do Santo Sacrifício: “Os pensamentos não devem vaguear atrás das preocupações e das expectativas da vida cotidiana; os sentidos não devem ser atraídos pelo que ali, no interior da Igreja, casualmente os olhos e os ouvidos gostariam de captar. O meu coração deve abrir-se docilmente à palavra de Deus e estar recolhido na oração da Igreja, para que o meu pensamento receba a sua orientação das palavras do anúncio e da oração. E o olhar do meu coração deve estar dirigido para o Senhor que está no meio de nós”.

A alva: lembrança da veste de luz recebida no Batismo

Durante os primeiros séculos do Cristianismo, o vestuário dos eclesiásticos era idêntico ao dos leigos.

Em plena perseguição religiosa, a prudência os aconselhava a evitar qualquer sinal que denunciasse aos agentes do governo seu “delito” de pertencer à Igreja e adorar o único Deus verdadeiro, infração punida com a morte naquela época.

No século VI, entretanto, deu-se no vestuário dos leigos uma transformação completa. Enquanto os romanos, influenciados pelos bárbaros que invadiram o Império, adotaram a veste curta dos germanos, a Igreja manteve o uso latino das longas vestimentas, as quais tornaram-se o traje distintivo dos clérigos e pouco a pouco ficaram reservadas para as ações sagradas.

Daí provém, entre outras, a alva, uma túnica talar branca. Ela é a veste litúrgica própria do sacerdote e do diácono, mas podem trajá-la também os ministros inferiores, quando devidamente autorizados pela autoridade eclesiástica. Ao revestir-se dela, o sacerdote reza: “Purificai-me, ó Senhor, e limpai meu coração para que, purificado pelo sangue do Cordeiro, possa eu gozar da felicidade eterna”.

Essa oração alude à passagem do Apocalipse: os 144 mil eleitos “lavaram as suas vestes e as alvejaram no sangue do Cordeiro” (Ap 7, 14). Evoca também o vestido festivo que o pai deu ao filho pródigo, quando este voltou sujo e andrajoso à casa paterna, bem como a veste de luz recebida no Batismo e renovada na Ordenação sacerdotal.

Na mencionada homilia, o Papa explica a necessidade de pedir a Deus essa purificação: “Quando nos aproximamos da Liturgia para agir na pessoa de Cristo, todos nos apercebemos de quanto estamos longe d’Ele, de quanta sujeira existe em nossa vida”.

O cíngulo da pureza e a estola da autoridade espiritual

Revestido da alva, o sacerdote cinge- se com o cíngulo, um cordão branco ou da cor dos paramentos, símbolo da castidade e da luta contra as paixões desregradas.

Enquanto o prende à cintura, o ministro de Deus eleva a Ele esta prece: “Cingi-me, Senhor, com o cíngulo da pureza e extingui meus desejos carnais, para que permaneçam em mim a continência e a castidade”.

Em seguida, reveste-se da estola, uma faixa do mesmo tecido e da mesma cor da casula, adornada de três cruzes: uma no meio e as outras duas nas extremidades. Ela simboliza a autoridade espiritual do sacerdote e, de outro lado, o jugo do Senhor, que ele deve levar com coragem, e pelo qual há de recuperar a imortalidade.

O padre a coloca em torno do pescoço, depois a cruza sobre o peito e passa por baixo do cíngulo, enquanto reza: “Restaurai em mim, Senhor, a estola da imortalidade, que perdi pela desobediência de meus primeiros pais, e, indigno como sou de aproximar-me de vossos sagrados mistérios, possa eu alcançar o gozo eterno”.

O jugo do Senhor, simbolizado pela casula

Por último, coloca a casula, que completa a indumentária própria à celebração da Santa Missa. A oração para vesti-la também faz referência ao jugo do Senhor, mas lembrando o quanto este é leve e suave para quem o carrega com dignidade: “Ó Senhor, Vós que dissestes: ‘Meu jugo é suave e Meu peso é leve’, fazei que eu seja capaz de levar esta vestimenta dignamente, para alcançar a Vossa graça”.

Ensina-nos, a este propósito, o Santo Padre: “Carregar o jugo do Senhor significa, antes de tudo, aprender dEle. Estar sempre dispostos a ir à Sua escola. Dele devemos aprender a mansidão e a humildade, a humildade de Deus que se mostra no Seu ser homem.

[…] O Seu jugo é o de amar com Ele.

Quanto mais amarmos, e com Ele nos tornarmos pessoas que amam, tanto mais leve se tornará para nós o Seu jugo aparentemente pesado”.

As cores litúrgicas

Tudo na Liturgia da Igreja é rico em simbolismos. Isto se nota também nas cores dos paramentos sagrados, as quais variam de acordo com o tempo litúrgico e as comemorações de Nosso Senhor, da Virgem Maria ou dos Santos. Basicamente, são quatro as cores litúrgicas: branco, vermelho, verde e roxo. Além destas, há quatro outras que são opcionais, isto é, podem ser usadas em circunstâncias especiais: dourado, rosa, azul e preto.

O branco simboliza a pureza e é usado nos tempos do Natal e da Páscoa, bem como nas comemorações de Nosso Senhor Jesus Cristo (exceto as da Paixão), da Virgem Maria, dos Anjos e dos Santos não-mártires.

O vermelho, símbolo do fogo da caridade, usa-se nas celebrações da Paixão do Senhor, no domingo de Pentecostes, nas festas dos Apóstolos e Evangelistas, e nas celebrações dos Santos Mártires.

O verde, sinal de esperança, é usado na maior parte do ano, no período denominado Tempo Comum.


Para os tempos do Advento e da Quaresma, a Igreja reservou o roxo, a cor da penitência. E estabeleceu duas exceções, que correspondem a dois interstícios de alegria em épocas de contrição: no 3º domingo do Advento e no 4º domingo da Quaresma, o celebrante pode trajar paramentos rosa.

Em circunstâncias solenes, pode-se optar pelo dourado em lugar do branco, do vermelho ou do verde.

Em alguns países é permitido utilizar o azul, nas celebrações em honra de Nossa Senhora. E nas Missas pelos fiéis defuntos o celebrante pode escolher entre o roxo e o preto.

** Revestido assim, de acordo com as sábias determinações da Santa Igreja, o sacerdote sobe ao altar para o Sagrado Banquete, tornando claro a todos, e a si mesmo, que está atuando na pessoa de Outro, ou seja, de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Pe. Mauro Sérgio da Silva Isabel, EP



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