domingo, 23 de abril de 2023

História da Igreja: A Igreja e as Missões


O Padroado

A Igreja no Brasil, durante quase quatro séculos, foi marcada pela instituição do padroado. Tratava-se de uma estreita ligação do rei de Portugal (e, após a independência, dos Imperadores do Brasil) com o poder eclesiástico, no sentido de que aquele teria certos direitos e privilégios, como nomear bispos, conferir benefícios eclesiásticos ou receber dízimos das igrejas sob sua jurisdição.

A origem do padroado situa-se na Idade Média, ligada a dois fatores: o sistema feudal e as Ordens Religiosas militares.

O Sistema Feudal: Durante a Idade Média, especialmente no séc. X, desenvolveu-se a praxe segundo a qual o Senhor do feudo era o patrono das igrejas situadas em seu domínio. Desse modo, os senhores feudais escolhiam os vigários e curas para as ditas igrejas. No Séc. XVI, visto que os reis da Espanha e Portugal se tinham empenhado na propagação da fé católica nas terras então descobertas, foram-lhes concedidos pela Santa Sé privilégios semelhantes.

As Ordens Militares: Outro fator que se encontra na origem do padroado consiste na formação de Ordens Militares, compostas de leigos que seguiam uma regra de vida aprovada pela Santa Sé. Tendo surgido no tempo das Cruzadas, muito se desenvolveram na Idade Média. Entre elas, destaca-se a Ordem dos Templários, a qual, com o passar do tempo, acumulou muitos bens. Estes foram cobiçados por Filipe, o Belo, rei da França (séc. XIV), que pressionou o Papa, com diversas acusações à Ordem, para obter a supressão da mesma. Esta, de fato, ocorreu na França em 1312. Em Portugal, o rei D. Diniz, com o fim de aproveitar os bens da dita Ordem, formou contra semelhante, a Ordem da Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo (em 1313, aprovada em 1319), mais tarde unida às Ordens de Aviz e de Santiago.

Em 1456 foi outorgada, pelo Papa Calixto III, à Ordem de Cristo, a jurisdição espiritual nas terras conquistadas (Bula “Inter Coetera”). Com isto o Prior do Convento de Tomar, da Ordem de Cristo, recebia, sobre as regiões conquistadas, os mesmos poderes de um bispo em sua diocese. Este poder, reservado ao Prior de Tomar, foi logo cobiçado pelos reis, que para isso procuraram para si o título de Grão-Mestre da Ordem.

Em Bula de 1516 o papa Leão X concedeu ao rei de Portugal o Padroado sobre todas as igrejas das terras conquistadas. A jurisdição espiritual, porém, era reservada ao Prior do Convento de Tomar. Muitos, porém, interpretaram erroneamente a Bula papal, outorgando a prerrogativa da jurisdição espiritual aos reis de Portugal, que possuíam o título de Grão-mestre da Ordem.

Houve assim abusos da parte da Coroa, especialmente em certas épocas, como o exigir que as Bulas pontifícias (exceto as de “foro da consciência”) fossem aprovadas pela Coroa antes de chegar ao clero português e que os bispos tivessem a concessão da Corte para manter relações com a Santa Sé.

O sistema do padroado, a par desses aspectos negativos, teve também seu saldo positivo, quando exercido dentro dos limites das Bulas: facilitou a ereção de igrejas; providenciou a remuneração do clero e dos missionários e a dotação de dioceses, paróquias, colégios…, favoreceu ainda as missões e a unidade da Igreja nas terras conquistadas.

Quando da independência do Brasil, o Papa Leão XII separou de Portugal a Ordem de Cristo e atribuiu a ela e a seus Grão-mestres(então, os Imperadores), o padroado (Bula Praeclara Portugaliae, 1827). Permaneceu assim estreitamente unida a Igreja ao Estado no Brasil. Isto levou a ingerência indevidas do poder civil na Igreja; no tempo do Império, um dos casos mais graves foi o dos Padres Feijó e Antônio Maria de Moura, apresentados pela Regência, em 1833, para bispos; a sua indicação não foi aceita pela Santa Sé, visto terem os referidos padres certas idéias discordes da Igreja. Houve fortes tensões, chegando um membro da Câmara a propor o desvinculamento da Igreja no Brasil frente do Vaticano, cuja autoridade se transferiria para o Governo. Esta proposta não foi aprovada e a questão se resolveu com a renúncia de Pe. Feijó e Pe. Moura a mitra episcopal, tendo então o Governo apresentado novos nomes.

Outro grave conflito foi a chamada “Questão Religiosa”, durante o segundo Império.

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A evangelização no Brasil Colônia

Os índios

Ao chegarem os portugueses ao Brasil, aqui encontraram os habitantes nativos, dispersos pelo, território, em vida semi-nômade e agrupados em diversas tribos. Em sua religião, possuíam vaga ideia de um Ser supremo e muito poderoso, a quem chamavam Tupã; criam também em espíritos, bons e maus (o espírito mau era denominado Anhangá). Algumas tribos cultuavam o Sol (Guaraci) e a Lua (Jaci). Não possuíam ídolos, templos ou sacerdotes, embora admitissem um feiticeiro ou curandeiro (o pagé).

Muitas teorias consideravam os índios seres inferiores, irracionais, incapazes de autodeterminação e assim destinados a ser dominados. Contra estas teorias lutou a Igreja, destacando-se nesse contexto o Breve do Papa Paulo III (Veritas ipsa, de 29.5.1537), que defendia a racionalidade dos indígenas, sua capacidade, por conseguinte, de se abrir a fé cristã e a abraçar; sendo seres livres, não poderiam ser obrigados a conversão nem submetidos à escravidão.

Primeira Evangelização

Embora estivesse os principais objetivos da ação da Coroa na terra recém-descoberta, não houve, até 1549, evangelização sistemática e continuada dos indígenas.

O primeiro trabalho de evangelização foi realizado certamente pelos degredados ou vítimas de naufrágio, talvez já pelos dois degredados aqui deixados por Cabral, pois é dito no relatório da expedição de Gonçalo Coelho (entre 1502 e 1503) que o capelão da nau batizou a muitos indígenas. Isto supõe um trabalho anterior de evangelização. Também os capelães das naus portuguesas e espanholas que aqui aportavam e permaneciam por algum tempo, dedicavam-se à evangelização, como, por exemplo, os padres Francisco Lemos e Francisco Garcia, no ano 1526 e seguintes.

Um número maior de indígenas, entretanto, foi evangelizado e batizado na época das feitorias (1516-1534). Como as condições eram ainda muito precárias, a evangelização foi bastante rudimentar.

A partir da formação de Capitanias, com a fundação das primeiras paróquias (1535), o trabalho de evangelização tornou-se mais organizado. A primeira missão se deu por iniciativa de franciscanos espanhóis, chefiados por Frei Bernardo de Armenta, que se dirigiam ao Rio Prata. Desembarcando em Santa Catarina no ano de 1538, iniciaram uma missão entre os índios Carijós: a missão de Mabiaçá ou Imbiaça. Houve muitos convertidos, o trabalho prosperou mas a missão acabou em 1548 quando os aprisionadores de índios os levaram para São Vicente e Ilhéus.

Os jesuítas

A evangelização sistemática dos indígenas começou propriamente com a chegada dos membros da Companhia de Jesus ao Brasil, a quem se deve de fato o maior mérito na evangelização neste período. Os primeiros jesuítas chegaram com o Governador-Geral Tomé de Souza à Bahia em 1549. Vieram em número de seis, sendo quatro padres e dois irmãos: Pe. Manoel da Nóbrega (superior), Pe. Leonardo Nunes, Pe. João de Azpilcueta Navarro, Pe. Antônio Pires e os irmãos Vicente Rodrigues e Diogo Jácome, mais tarde ordenados.

Os primeiros contatos com os indígenas se deram nas aldeias próximas a Salvador. De início, limitaram-se a batizar crianças e adultos em perigo de vida. Pouco depois dedicaram-se a preparar os adultos para o batismo. Seu ensino consistia, segundo o costume da época, numa breve explicação das verdades fundamentais da fé. Os maiores problemas, porém, concentraram-se no combate a hábitos arraigados entre os indígenas, como a antropofagia e a poligamia. Quanto a isto, do catecúmeno adulto era exigido, para o batismo: não matar seus semelhantes, não comer carne humana, viver com apenas uma mulher. O costume de mais árduo combate foi a antropofagia, para o quê foram necessárias leis proibitivas de Tomé de Souza e Mem de Sá.

No início de 1550 chegaram mais quatro jesuítas, que se localizaram em São Vicente, com sete meninos órfãos que vinham para ajudar na catequese. Em julho de 1553, chegaram outros sete missionários à Bahia, entre os quais o Pe. Luís da Grã, futuro provincial, e o Ir. José de Anchieta mais tarde ordenado sacerdote, e que foi beatificado em 1980, pelo Papa João Paulo II.

O método utilizado pelos jesuítas consistia em contatos diretos com os índios e na formação de aldeamentos indígenas, com a finalidade de atraí-los para hábitos mais civilizados e para a fé cristã. Há quem julgue atualmente que os jesuítas teriam imposto o Cristianismo reprimindo os indígenas e usando a força. Ora, devemos observar em primeiro lugar que os índios possuíam um caráter belicoso, que os levava a numerosos ataques aos brancos, o que era duramente punido pela autoridade civil. Por outro lado, os portugueses agiam muitas vezes somente com o intuito de explorar. Tais abusos sempre foram condenados pelos missionários, de modo que não lhes podem ser atribuídos os desmandos da autoridade civil. Se muitas vezes os missionários aproveitaram da relativa pacificação dos índios, devida a força civil, para estender seu trabalho de evangelização, isto não significa obrigar a fé e impor o Cristianismo a força. Pelo contrário, era norma da Santa Sé respeitar a liberdade dos ameríndios adultos no tocante à aceitação ou não da fé cristã.

Em síntese, neste período o trabalho de evangelização foi repleto de dificuldades e não chegou a ser muito profundo: havia falta de pessoas aptas que conhecessem a língua e os costumes dos nativos; faltava também apoio mais expressivo (quando não havia hostilidade) dos colonizadores; além disso, o caráter semi-nômade das populações indígenas e as enormes distancias criaram outros tantos obstáculos.

Carmelitas, Beneditinos, Franciscanos

O trabalho de catequese, embora entregue principalmente aos jesuítas, contou ainda com colaboradores. A par dos padres diocesanos e da missão franciscana em Santa Catarina, vieram estavelmente, após a chegada dos jesuítas, outras Ordens Religiosas, que se fixaram no fim do séc. XVI: carmelitas, beneditinos, franciscanos.

Os Carmelitas foram os primeiros a se fixar após os jesuítas. Chegaram a Pernambuco, com a expedição de Frutuoso Barbosa, em 1580. Fixaram-se em Olinda. Outro grupo, chegado pouco mais tarde, dirigiu-se para a capitania de São Vicente. Não se dedicaram às missões indígenas, mas ao trabalho com os brancos.

Os Beneditinos tiveram em 1581 autorizada a fundação de um Mosteiro na cidade de Salvador, o qual foi elevado a Abadia em 1584. Com as vocações da terra e os auxílios provenientes de Portugal, foram feitas novas fundações: Rio de Janeiro (1585), Olinda (1590), Paraíba (1596) e São Paulo (1598). Por serem Ordem monástica, não se dedicaram às missões indígenas, mas muito contribuíram para o aprofundamento doutrinal e espiritual dos habitantes da terra.

Os Franciscanos estiveram presentes já bem cedo, na missão de Imbiaça (1538-48), bem como em Porto Seguro em 1520 e 1546. Em 1583 trabalharam perto de São Paulo e também no Espírito Santo. Sua fixação, porém, deu-se a partir de 1585, quando Frei Melquior de Santa Catarina chegou ao Brasil com a permissão de aqui fundar conventos. Neste mesmo ano foi fundado o Convento de Nossa Senhora das Neves em Olinda. Posteriormente a Ordem passou à Bahia, Igaraçu, Paraíba, Espírito Santo, dedicando-se a catequese indígena e aos colonos brancos.

Lançando um olhar panorâmico sobre esta época, podemos ver que o trabalho dos missionários foi rico de boa vontade e desenvolvido de acordo com os meios e o pensamento de então. Não é correto dizer que a cultura indígena não foi respeitada. A par do combate árduo, mas necessário, aos costumes indígenas, como a antropofagia, a poligamia, as bebedeiras, houve grande respeito aos valores positivos da cultura indígena e grande capacidade no tratar com os índios. Por outro lado, nunca houve uso da força para converter ao Cristianismo. A ação missionária da Igreja no Brasil nessa época tem, portanto, valioso saldo positivo.

Eis como, em sua visita ao Brasil, o S. Padre João Paulo II apreciou o trabalho missionário:

“Numa carta de 1º de junho de 1560, revelando a sua ânsia de conduzir ao Senhor os povos deste país, o Padre Anchieta escrevia textualmente: ‘Por este motivo, sem nos deixar intimidar pelas calmarias, tempestades, chuvas, correntezas espumantes e impetuosas dos rios, procuramos sem descanso visitar todas as aldeias e vilas, quer dos índios, quer dos portugueses; e mesmo de noite acorremos aos doentes, atravessando florestas tenebrosas, a custo de grandes fadigas, tanto pela aspereza dos caminhos como pelo mau tempo.’

Com esta mesma finalidade, levando em consideração os dotes e qualidades naturais dos índios, a sua sede de saber, a sua generosidade, hospitalidade e o seu senão comunitário, Anchieta promoveu e desenvolveu as ‘aldeias’, centros onde a vida de cada um se fundia com a dos outros, de maneira adequada, no trabalho, na solidariedade, na cooperação. Coração de cada um desses centros era sempre a Casa de Deus, onde o Sacrifício Eucarístico era celebrado regularmente e onde o Senhor Sacramentado permanecia presente.

Apreciando a sede de saber dos ‘brasis’, o seu acentuado talento para a música, a sua habilidade e outros dotes, criou para eles centros de formação cultural e artesanal que, pouco a pouco, contribuíram para elevar o nível geral das gerações futuras” (Homilia proferida durante a missa em São Paulo, 3 de julho de 1980).



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