Vicente nasceu em Valência, Espanha, no ano de 1350, em família nobre. Tanto o pai, tabelião, quanto sua mãe receberam sinais de que este filho seria santo, antes do seu nascimento. Muito inteligente, desde criança fazia “pregações” para outras crianças, e aos 12 anos começou a estudar Filosofia e Teologia, pois já dominava Gramática e Lógica.
Na juventude frequentava muito a igreja, jejuava duas vezes por semana, meditava longamente a Paixão de Cristo, rezava o Ofício da Cruz e as Horas de Nossa Senhora, e era caridoso com os pobres e os religiosos. Morando próximo de um convento dominicano, aos 17 anos pediu ingresso nesta Ordem dos Pregadores, fazendo os votos no ano seguinte (1368).
Como diácono apenas, já vinham pessoas de longe para ouvir suas pregações. Ordenou-se em 1378, e alternou, por ordem dos superiores, estudos com docência, em Lérida, Barcelona e Tolosa: doutorou-se em Filosofia e Teologia, que lecionava nestas universidades, além de Lógica. Sabia também a exegese dos santos, o Latim e o Hebraico.
Depois de ordenado, começou a peregrinar pela Europa em função do seu dom especial de pregação. O diabo o perseguia, tentando desanimá-lo da vida de perfeição, aparecendo-lhe como um venerável ermitão e depois com uma aparência monstruosa, dizendo-lhe que não conseguiria manter a santidade, ou como uma voz que lhe garantia a perda da castidade; mas em todas as ocasiões, e recorrendo a Nossa Senhora, Vicente enfrentava e espantava o demônio.
O ano da sua ordenação coincidiu com a eclosão do Grande Cisma do Ocidente, fruto de uma situação já delicada por causa da Guerra dos Cem Anos, quando eram fortes as interferências políticas nas eleições papais. Os franceses não aceitaram Urbano VI e elegeram o antipapa Clemente VII, que, após 70 anos, novamente levou a “sede papal”, agora ilegítima, para Avignon, na França.
Na época, não era tão simples perceber quem tinha a razão, pois de ambos os lados havia erros e ambições… e santidade: por exemplo, Santa Catarina de Sena apoiava Urbano VI, e São Vicente Ferrer a Clemente VII, convencido pelo cardeal aragonês Pedro de Luna. Horrível foi a divisão na cristandade. Para piorar o quadro, em 1409, numa tentativa de resolver o problema, num Concílio em Pisa foi eleito um terceiro pontífice, Alexandre V. Somente em 1417, no Concílio de Constança, retornou-se à unidade sob Martinho V, após a renúncia dos anteriores.
Neste ínterim, após o falecimento de Clemente VII, Pedro de Luna o sucedeu sob o nome de Bento XIII (não confundir com Bento XIII/Pedro Francisco Orsini, Papa em 1724). Era inicialmente austero e piedoso, convencido de sua legitimidade, e convidou frei Vicente a ser seu capelão e confessor, nomeando-o também Mestre do Sacro Palácio e penitenciário da corte papal. Mas algumas atitudes suas decepcionaram Vicente, que acabou doente, também pela gravidade da divisão entre os católicos; em três dias, estava já para morrer. Apareceu-lhe então Jesus, dando-lhe a missão de pregar contra os erros do tempo e conclamar o povo à conversão, garantindo-lhe apoio contra as dificuldades, e curando-o imediatamente.
Deixando Avignon em novembro de 1399, e com a permissão dos superiores percorreu a Europa: Espanha, Portugal, França, Suíça, Alemanha, Itália, Sabóia, Bélgica, Inglaterra, Irlanda e muitas outras regiões. Viajava a pé e depois num burro, quando ficou doente de uma perna, com qualquer tempo, tendo como proteção apenas o longo hábito dominicano, que cobria seus pés descalços.
Estando o continente imerso no cisma, em batalhas sangrentas, calamidades públicas, fome, miséria, misticismo, ignorância, peste negra (que matou um terço da população europeia), e acostumado com as visitas do diabo, Vicente pregava o iminente fim do mundo e os eventos prodigiosos que o precedem, os flagelos e tribulações pelas quais haveria de passar a humanidade. Lembrava os Novíssimos e o Juízo Final, condenando a mentira, o perjúrio, a blasfêmia, a calúnia, a usura, a simonia, o adultério, e tantos outros vícios daquela sociedade dissoluta. Seu lema era “ ‘Temei a Deus, e dai-Lhe glória, porque é chegada a hora do seu julgamento’ (Ap 14,7), porque o temor reverencial a Deus não é senão outro nome do amor.” Por causa deste teor, ficou conhecido como "o anjo do Apocalipse". Mas esta abordagem, impressionante mas verdadeira, buscava alcançar a unidade da Igreja, o fim das guerras, e a conversão sincera das almas pelo arrependimento e penitência, necessárias para a salvação. As multidões eram atraídas pela sua paixão e fervor, conhecimento e clareza, que tocava as consciências.
Dando o exemplo de vida interior, Vicente praticava o jejum e mortificações, incluindo a provação do sono para ter mais tempo de oração. Pregava em locais abertos, por causa das milhares de pessoas que o ouviam, e eram constantes os milagres, como o entendimento de todos em suas próprias línguas, mesmo ele falando apenas no seu dialeto valenciano, e a escuta por pessoas a mais de 45 km de distância. Numa ocasião, ressuscitou uma mulher judia que havia sido sarcástica à sua pregação e, deixando o local, foi imediatamente morta pela queda de um portal; viva, ela se converteu. De outra vez, expulsou três cavalos endemoninhados que se atiraram sobre a multidão. Curava os enfermos após cada pregação. Previa o futuro, como a vocação papal de Alonzo de Borja/Calisto III, dizendo a ele que o canonizaria, o que de fato aconteceu.
Vicente começou a ser seguido nos caminhos por camponeses, clérigos, nobres, teólogos, incultos, adultos e crianças, e logo surgiram os bons frutos: milhares se flagelavam em procissões penitenciais, conversões e volta à Igreja aconteciam, criminosos se arrependiam, surgiam consagrados à vida religiosa.
Ele se acompanhava de muitos confessores de várias nações para atender aos penitentes, e costumava se confessar antes da Missa solene na qual pregava. Mesmo idoso e com dificuldades, precisando de ajuda para subir nos estrados, continuou pregando, e parecia recuperar as forças quando começava a falar.
Vicente faleceu em viagem de pregação à Bretanha, em 5 de abril de 1419. Foi dito dele que, “exceção feita aos Apóstolos, provavelmente ninguém excedeu São Vicente Ferrer como pregador”. Foi declarado padroeiro de Valência e Vannes.
Colaboração: José Duarte de Barros Filho
Reflexão:
Acima de todos os erros, fragilidades e defeitos do ser humano, está a Providência Divina, Senhora absoluta da História. Quem de fato governa a Igreja e o seu caminhar no tempo (isto é, aquilo que conhecemos como os acontecimentos sucessivos neste mundo material em razão de uma finalidade transcendental) é Deus, e não os Homens. Por isso a santidade é possível mesmo se, como São Vicente Ferrer, nos enganamos a respeito de alguma questão, ainda que importante. É verdade que para isso deve existir uma sinceridade absoluta da alma na busca do que é certo (e São Vicente por fim apoiou a renúncia de “Bento XIII”). Esta disposição espiritual é decisiva, pois como ensina a Bíblia, “Quem dera fosses frio ou quente! Como és morno, estou para te vomitar da Minha boca” (cf. Ap 3,15-16). De fato, a pior situação de uma alma é querer agradar, ao mesmo tempo, a Deus e o mundo, sem compromissos definitivos com a Verdade ou a sua busca – infelizmente, um retrato muito fiel da condição de não poucos católicos, que se iludem ao eventualmente frequentar alguma igreja de tijolos mas não a Igreja do Espírito, discordando de pontos da Doutrina, escolhendo só o que lhe agrada nos ensinamentos da Igreja e até nos Mandamentos e Sacramentos de Deus (é pecado gravíssimo, por exemplo, comungar sem querer se confessar com um sacerdote), e na rotina praticar atos contrários à Fé (como ver filmes de conteúdo moral e espiritual divergentes do Catolicismo, não ser completamente honesto no trabalho, etc.). Não sabemos quando será o fim do mundo, mas é certo que morreremos. E é para esta ocasião, absolutamente pessoal, que devemos nos converter sinceramente, pois a cada momento dela nos aproximamos, de modo inexorável. E a morte não deve ser vista com pavor ou desespero, mas como a passagem necessária para a felicidade infinita com Deus; deve ser preparada como a melhor obra da nossa vida, como a obra-prima de um artista, que se dedica ao máximo, com alegria e com todo o empenho e constância possível, na sua perfeição.
Oração:
Deus de bondade e sábio condutor da História, dai-nos por intercessão de São Vicente Ferrer a compreensão da importância de buscar veementemente o arrependimento e a conversão, a unidade da Igreja especialmente pelo fim das guerras na alma e da pregação da Verdade, e a santa preparação para o encontro definitivo Convosco através dos conselhos que ele ensinava para tratar o próximo: doar-se com compaixão, alegria, tolerância, perdão, afabilidade, respeito e concórdia. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, e Nossa Senhora. Amém.
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