Nesta semana, o acadêmico em Filosofia e consagrado da Comunidade de Aliança, Delcy Filho, aprofunda o livro IV das Confissões de Santo Agostinho.
No Livro IV temos alguns temas interessantes que agora perpassam a vida do professor Agostinho, quando de sua moradia em Tagaste, no norte da África. Aqui o jovem progredia no ensino da retórica, que consistia na habilidade de falar, convencer, persuadir os ouvintes por meio de um discurso convincente. Era extremamente hábil nesta arte. Utiliza-a para ensinar, sobretudo, a advogados a prosperar em suas defesas orais. Os argumentos bem ajustados davam força aos discursos.
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Nesse ínterim, conheceu um discípulo com quem muito se afeiçoou. Entramos aqui no campo da amizade. Agostinho nutriu por este seu amigo tamanho afeto que chegou a dizer que o amigo era “um outro igual”, afirmando a amizade ser uma união tal que se assemelhava a “uma alma em dois corpos.” Relata contentamento e reciprocidade. Contudo, essa interessante realidade é interrompida pela morte deste seu companheiro. O autor de Confissões chega a dizer que houvera desencaminhado o amigo da verdadeira fé, mas que ele chegou a morrer na amizade fiel a Deus.
Este evento desolou-o de sobremaneira. O relato que se segue é de tristeza e desolação. O Santo passa a não encontrar prazer nas coisas cotidianas. Estava tomado de profundo desgosto e prantos eram comuns. A tristeza foi tamanha que, no intuito de recomeçar a vida, muda-se de Tagaste. Essa fase é acompanhada, ainda, do medo de morrer.
No campo afetivo, relata ter iniciado uma vida em comum com uma mulher, durante alguns anos, que segundo o autor, foi uma paixão, apesar da relação ter sido duradoura. Ele afirma experimentar os laços do prazer sensual em detrimento do laço conjugal destinado à procriação.
Na área filosófica e na busca espiritual desenvolvia interesse pela astrologia, mas não por muito tempo. Brevemente detectou que as predições afirmadas poderiam ser justificadas pelo acaso e pela lei das probabilidades, tendo chegado à conclusão de que se tratavam apenas de embusteiros. Apesar de não se afeiçoar aos sacrifícios aos ídolos, estava cheio de superstições.
No maniqueísmo relata mais algumas de suas nuances: o mal era apresentado como algo que continha uma substância semelhante e, em pé de igualdade, com o bem, assemelhando-se a algumas doutrinas hodiernas; o panteísmo era presente de tal forma que até de um alimento poderiam se desprender “partículas de Deus”. Esta seita gnóstica e herética, misturavam-se elementos cristãos. Afirmava que toda realidade é material, corpórea, não havendo a dimensão espiritual. Estamos no tempo das heresias, na era patrística, século IV, precisamos lembrar.
Fora de Tagaste, recomeça a vida. Foi amealhando novos amigos que dali por diante passaram a nutrir simpatia pela retórica, que tornava Agostinho um sedutor de mentes e corações sedentos por novidades. A troca de gentilezas, a leitura de livros em comum, as risadas iam fazendo com que o nosso protagonista passasse a recobrar o ânimo em Cartago.
Quando Agostinho refere-se a Deus, ele fala como homem convertido lançando um olhar no passado do seu passado. É o “homem novo, à imagem de Cristo” que contempla o “homem velho”, num olhar retroativo, numa espécie de memória da história da salvação pessoal.
Afirma que é feliz quem ama a Deus, porque só Deus é estável. Fixar o olhar nas criaturas que são efêmeras e passageiras é equívoco, pois o desejo da alma é repousar no objeto que ama e somente em Deus pode firmar-se:
“Fixa nele a tua morada, confia-lhe tudo o que dele recebes, ó minha alma, já cansada de tantos enganos. entrega à verdade tudo o que da verdade tens recebido, e nada perderás…”
Exorta vivamente a procurar a felicidade em Deus!
Desenvolve admiração por exímio orador chamado Hiério, que era louvado por muitos. Chega a se perguntar se o admirava por si ou porque muitos o tributavam honras. Despertou nele também interesse pela estética, tendo escrito dois ou três livros sobre beleza e harmonia, em homenagem ao orador romano, a quem não chegou a conhecer, apenas pela difusão de sua fama.
Interessantíssimo é o encontro de dois gigantes da filosofia: Agostinho e Aristóteles, mas mais interessante ainda é o encontro do autor de Confissões com a dama “humildade.” Ao ler as categorias de Aristóteles, obra de difícil compreensão e basilar para o entendimento do pensamento do filósofo de Estagira, Agostinho afirma tê-lo conseguido sozinho, sem a ajuda de mestres, mas diz algo particularmente revelador, ao final.
Para os curiosos, aqui vai um breve resumo de “Categorias”: a obra retrata todas as características observáveis, os princípios contidos nos entes sensíveis (materiais e corpóreos), quais sejam: o sujeito ou substância e as outras nove categorias ou chamadas de acidentes, quais sejam – quantidade, qualidade, relação, espaço, tempo, ação, paixão, posição e posse.
Por fim, ao invés de se vangloriar, afirma no humilde relato:
“Que me adiantava então possuir talento tão ágil para entender as ciências humanas, e deslindar, sem ajuda de ensino humano, tantos livro intricados, se depois errava de modo tão monstruoso e sacrílego na doutrina religiosa? E que prejuízo sofriam teus humildes filhos por terem menos inteligência, se de ti não se afastavam, se no ninho de tua Igreja lhes cresciam as penas, nutrindo as asas da caridade com o alimento de uma fé sadia?”
Pode-se concluir com essa belíssima passagem da escritura: “ Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes.” (Tiago, 4, 6)
Delcy Pereira Carvalho Filho
Graduando em Filosofia – Academia Atlântico
Fonte: comshalom.org
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