O primeiro rei dos francos foi Clódio. Em 430 se instalou na Gália tendo recebido nesse ano do imperador Valentiniano III (425-455), o título de legado, e mandou educar seu filho Meroveu na corte do imperador em Ravena, Itália, como era o costume.
Os francos souberam fazer carreira no Império. Quando Meroveu se tornou chefe, em 451, lutou contra os hunos de Átila, e seu filho Quilderico ajudou as forças galo-romanas a salvar Angers dos saxões.
Como esses francos ainda eram pagãos, e não tinham se tornado hereges arianos pelo famoso bispo Úlfilas, os bispos se aproximaram deles e os converteram. Isto se deu com a conversão do rei Clóvis, filho de Quilderico e da princesa Basina, e que aos quinze anos se tornou chefe. Clóvis foi instruído na fé pelo eremita São Vasta, depois bispo de Arras; ao escutar a narrativa da Paixão de Jesus, Clóvis exclama: “Ah! Se eu estivesse lá com os meus francos!”.
São Remígio, bispo de Reims se aproximou dele para trazê-lo a Igreja, e conseguiu. Clóvis já era o mais forte dos reis bárbaros, e a aliança com os bispos foi fundamental para isso, devido a sua autoridade. Esses foram os primeiros bárbaros que se converteram ao catolicismo.
Três séculos depois, outro rei descendente dos bárbaros, no ano 800, o franco Carlos Magno era também batizado e coroado imperador pelo Papa. Assim esses homens, na fé de Cristo e da Igreja mantiveram o Império, que consideravam fundamental para o mundo; e agora a tarefa era integrar nele os bárbaros. E somente a Igreja, poderia cumprir essa missão.
Santo Ávito, bispo de Vienne, influenciou a conversão de Clóvis; no ano de seu batismo lhe escreveu uma carta profética. Da mesma forma São Cesário de Arles. Clotilde, esposa de Clóvis, foi fundamental para a sua conversão; era uma princesa burgúndia, cuja beleza e sabedoria eram exaltadas por São Gregório de Tours. Ela era além de católica, modelo de piedade e virtude. Isto mostra a importância de uma mulher de fé ao lado de um rei, mesmo nos tempos bárbaros.
Ela se uniu em casamento a Clóvis, ainda pagão, quando ele tinha vinte e quatro anos, no ano 493, em Soissons, e foi fundamental na sua conversão. Ele tinha dado sua irmã Aldofleda em casamento com o rei bárbaro da Itália Teodorico, que era herege ariano, o que era um perigo para o catolicismo.
Clotilde tinha duas irmãs católicas; uma delas, Crona, fundou em Genebra a célebre abadia de São Vítor. Nunca como nos tempos bárbaros as mulheres santas, casadas e consagradas tiveram um papel tão fundamental sobre os seus esposos. São Paulo disse: “A mulher que crê santifica o marido que não crê” (1Cor 7,14); isto foi real nesses tempos, como é hoje. Clotilde levou o marido pagão a Jesus Cristo e à civilização. Mulher forte e ao mesmo tempo doce, piedosa e caridosa, igualmente como outra mulher fantástica, Santa Genoveva, velha religiosa que vivia no cume da montanha do rio Sena; e que foi venerada por Clóvis como santa.
Quando nasceu o primeiro filho de Clotilde e Clóvis, este morreu, e o marido lhe disse: “Os meus deuses tê-lo-iam curado, o teu não o salvou”. Em seguida nasceu um segundo que esteve gravemente enfermo; disse São Gregório de Tours que: “Clotilde orou tanto pela recuperação da criança que Deus o curou”.
Na batalha decisiva de Clóvis contra os alamanos, em 496, onde ele poderia perder tudo, quase desesperado, apelou para o Deus de Clotilde; e se comprometeu a receber o batismo se alcançasse a vitória. Foi o que aconteceu. Na verdade, nos desígnios de Deus, Clóvis cumpria uma missão que desconhecia. Com o seu batismo a Igreja conseguiu uma vitória decisiva, e se decidia o destino do Ocidente.
O Papa Santo Hormisdas (514-523) escreveu a São Remígio, ao nomeá-lo legado universal na Gália: “Convertestes esses povos, por meio de milagres que se podem comparar aos dos Apóstolos”. São Gregório de Tours relatou Clóvis chorando, com os braços para o céu em prece no meio da batalha contra os alamanos:
“Jesus Cristo, que Clotilde afirma ser o Filho do Deus da vida, tu que desejas vir em auxílio daqueles que desanimam e dar-lhes à vitória, desde que esperem em ti; eu invoco, devotamente o teu glorioso socorro. Se te dignares conceder-me a vitória sobre os meus inimigos, e se eu experimentar esse poder de que as pessoas que usam o teu nome afirmam ter tantas provas, acreditarei em ti e far-me-ei batizar em teu nome. Invoquei os meus deuses e nenhum socorro recebi […]”.
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E São Gregório acrescenta:
“Nesse mesmo momento os alamanos voltaram as costas e debandaram. E, vendo que o seu rei havia sido morto, submeteram-se a Clóvis dizendo: “Concedei-nos a vida, porque nós somos teus”. Repetia-se o que aconteceu com Constantino quase dois séculos antes. A cruz de Cristo lhe aparece no céu, e ele ouviu a voz: Sob este símbolo vencerás!” (Rops, Vol. II, p. 197).
São Gregório de Tours narrou com detalhes o célebre batizado de Clóvis, por volta de 497, na catedral de Reims, na França, por São Remígio. Depois de Clóvis, em grupos de 300, três mil dos seus homens também receberam o batismo. “A religião do rei era a religião do seu povo”, era a lei dos antigos povos. Era o dia de Natal! Ao entrarem na igreja, ornamentada com panos brancos, o incenso perfumando o ar, e os inúmeros círios iluminando a basílica, os bárbaros perguntavam: “Será já o Paraíso?”.
Muitos bispos participavam. Clóvis ao ser batizado ouviu do bispo: “Inclina devagar a cabeça! Ó sicâmbrio! Adora o que queimaste e queima o que adoraste!” (Rops, Vol. II, p. 189). Os bárbaros francos iam para o batismo com a mesma naturalidade que iam para a guerra com o chefe. Esse modo de conversão global de um povo se enquadrava nas necessidades daquele tempo.
Conta a lenda que no momento em que São Remígio os crismava, desceu do céu uma pomba que segurava com o bico uma ampola cheia do santo óleo. Esse óleo foi usado na coroação de Carlos Magno.
Foi um momento fundamental, e fez com que a Igreja passasse a contar com a proteção dos francos e a Gália (atual França), tornou-se assim um centro de irradiação do Cristianismo. Foi uma data histórica para o Cristianismo e para o Ocidente, como a visão que Constantino teve da Cruz no século IV e a coroação de Carlos Magno em 800. A França se tornava “a filha mais velha da Igreja”. Santo Ávito disse essas palavras proféticas a Clóvis: “Graças a vós, esta parte do mundo resplandece com um brilho próprio, e no nosso Ocidente cintila o clarão de um novo astro. A vossa fé é a nossa vitória!” [Idem, p. 199]. A partir daí os francos venceriam outros bárbaros e todos se tornariam cristãos.
Santo Ávito parecia pressentir o Império cristão de Carlos Magno (†814) trezentos anos depois, bem como a França cristã da Idade Média de São Bernardo e de São Luiz IX. São Gregório de Tours disse que Clóvis foi em busca da unificação da Gália no catolicismo vencendo os arianos: “Marchemos, pois, contra eles, com a ajuda de Deus, e se os nossos inimigos forem vencidos, dominaremos todo o país”. De fato Deus estava do seu lado; em 507 bateu Alarico II, rei dos visigodos arianos em Vouillé, e a maioria das populações católicas estava livre. Alarico II tentou ainda um acordo com os bispos católicos, mas já era tarde.
Clóvis escolheu Paris como a sua capital e recebeu do imperador bizantino Anastácio o título honorífico de cônsul honorário. São Gregório de Tours disse que a partir daquele momento Clóvis foi tratado por “Augusto”, como um colega do Imperador. Isso é significativo em se tratando de um bárbaro, que os orientais rejeitavam.
Nesse terrível tempo dos bárbaros, só a aliança do Cristianismo com a força dos reis podia estabelecer a ordem; e Clóvis, agora cristão, entendeu isso. Assim se fortalecia a união da Igreja com o Estado, sem isso o mundo pereceria. O contrato entre os reis e a Igreja duraria por séculos e se tornava a legitimação divina do poder monárquico. O Cristianismo começava, então, a formação dos países e dos valores da Europa. Ora, quem são os franceses senão os bárbaros francos que se tornaram cristãos?
Mas a conquista dos bárbaros para Cristo não foi sem sangue dos mártires; eles perseguiram e mataram padres, bispos e papas. Mas a Igreja salvou e modelou a civilização ocidental. Depois de seis longos séculos surgiu então a “Cristandade”, a característica da Idade Média. Daniel Rops afirmou:
“Do século VI ao XIII, não haverá obra alguma de valor que não esteja na dependência da Igreja, e não se poderá citar um só nome que não seja eclesiástico – bispo, sacerdote ou monge” (Vol. II, p. 310).
Clóvis morreu em 511, em Paris, aos quarenta e cinco anos. Com ele surgia a primeira dinastia e monarquia francesa, a dos Merovíngios; seus filhos Clotário, Clodomiro e Quildeberto, além do bastardo Thierry, herdaram-na. As grandes vitórias de Clóvis deram muita força ao Cristianismo diante dos bárbaros; por isso, muitos deixaram seus deuses. Eles não tinham motivo para recusar o Batismo.
A quem possa estranhar o uso da força e das guerras nessa época, é preciso dizer que só pela aliança do Cristianismo com a força a serviço da justiça era possível estabelecer a ordem. A força é legítima quando está a serviço da justiça.
Logo depois da conversão dos francos, os burgúndios arianos também foram convertidos ao catolicismo com certa facilidade. Em seguida, os suevos se converteram com o trabalho de São Martinho de Braga. A conversão mais difícil foi a dos visigodos, na Espanha, que atacaram fortemente a Igreja, cujo rei mais importante no século V foi Eurico (466-484), ariano radical que muito mal fez à Igreja. A conversão desses se dará no século VI.
Retirado do livro: “História da Igreja – Idade Antiga”. Prof. Felipe Aquino. Ed. Cléofas.
Fonte: cleofas.com.br
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