No dia 30 de setembro, a Igreja celebra a memória de São Jerônimo. Além de ter traduzido a Bíblia, foi exemplar de homem combativo e dado à polêmica, como não deixa de convir aos santos.
Redação (30/09/2024 06:26, Gaudium Press) Se perguntarmos a algum teólogo quem foi São Jerônimo, ele certamente nos responderá: “é o tradutor da Bíblia”; se fizermos a mesma indagação a uma pessoa qualquer, ela talvez diga: “é o santo que tinha um leão de estimação”; se pudéssemos inquirir o próprio santo, ele diria: “sou um monge”. Com efeito, são estas as três características principais deste Padre da Igreja: religioso, intérprete de Deus e amigo do leão.
Conquanto sejam qualidades bem diversas, têm elas uma causa comum: um grande amor a Deus. Para servir a Deus perfeitamente, ele se fez monge; para torná-lo conhecido, traduziu suas palavras à língua do Ocidente; para defendê-lo, se tornou o leão da sua Igreja.
Os dois primeiros pontos são simples de entender, a questão é o terceiro.
Não vamos nos deter na veracidade da história da adoção do leão por São Jerônimo; o certo é que ela é bastante simbólica: o santo foi para seu tempo um leão a rugir, denunciando os pecados e defeitos de seus contemporâneos. Como um leão, se retirou ao deserto; como leão não tinha receio de apresentar-se no descampado da polêmica, aterrorizando com seu rugido e atacando com suas garras os hereges; e, como o Leão de Judá, não tardou a ser cercado pelas serpentes da hipocrisia, pelo veneno da calúnia, pelos fariseus que existem em todos os tempos.
De fato, eles não podiam aguentar afirmações como estas:
“Custa-me dizer quantas virgens [consagradas] caem a cada dia, quantas a Santa Igreja perde de seu seio. […] Algumas, quando percebem que conceberam criminalmente, preparam venenos do aborto e frequentemente acontece que, morrendo também elas, descem ao inferno, rés de triplo crime: homicidas de si mesmas, adúlteras de Cristo e parricidas do filho ainda não nascido” (Carta 22).[1]
“A virgindade se perde também pelo pensamento. [As religiosas que assim pecam] são as virgens más, virgens na carne, mas não no espírito” (Carta 22).
“Há outros, e eu falo de homens de meu estado [sacerdotal], que ambicionam o sacerdócio e o diaconado a fim de serem livres para encontrar mulheres à vontade” (Carta 22).
“O Apóstolo condena o sacerdote dado ao vinho e a antiga lei do Levítico o proíbe (10,9). […] Foge de tudo o que te embriague e faça perder o juízo” (Carta 52).
E o que fizeram seus inimigos, aqueles que se sentiram atacados pelas palavras de São Jerônimo? O mesmo de sempre: calúnias infundadas, vindas de testemunhas mentirosas; o silêncio diante de seus argumentos; a condenação após a declaração de sua inocência: “Não se o persegue por seus pretensos escândalos, mas por seus escritos, suas denúncias, por ter dado, ele mesmo, o exemplo do contrário”.[2]
Este “senado de fariseus” (como ele o denominava) se auto acusava assim dos vícios denunciados pelo santo, como ele mesmo havia advertido: “A ninguém lesei, ao menos ninguém em concreto foi retratado em minhas descrições, e a ninguém em particular foi dirigido meu discurso. Tratei dos vícios em geral. Se alguém se irrita comigo, está confessando ser ele mesmo assim” (Carta 52).
Claro, os hipócritas não aguentam que se diga a verdade inteira, pois lhes fere a consciência, como já afirmava Sulpício Severo: “Uma luta incessante e um duelo interrupto contra os maus concentraram em Jerônimo os ódios dos perversos. Nele, os heréticos odeiam aquele que não cessa de os atacar; os clérigos aquele que recrimina suas vidas e seus crimes. Mas todos os homens virtuosos o amam e o admiram”.[3]
Podemos dizer que uma das maiores glórias de São Jerônimo foi esta: ter sido um dos maiores defensores da Igreja em sua época, ter denunciado o vício e elogiado a virtude, ter avivado a noção de bem e mal, e ter sido perseguido por amor à justiça (cf. Mt 5,10).
Oxalá tivéssemos em nossos dias outros Jerônimos que atacassem os vícios contemporâneos!
Por Miguel de Souza Ferrari
Fonte: gaudiumpress.org
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