Seguir a Cristo ou “satanás”. Eis a decisão que a Providência nos convida a tomar neste 24º domingo do tempo comum.
“Nosso Senhor ensinando aos Apóstolos” – Museu de Santo Isaac, São Petersburgo (Rússia) – Foto: Gustavo Kralj
Redação (15/09/2024 14:47, Gaudium Press) É uma doutrina assaz conhecida e corrente entre nós que, após o pecado de nossos primeiros pais no paraíso terrestre, o sofrimento, até então inexistente na vida dos homens, tornou-se nosso inseparável companheiro. Assim, não há homem que passe por este mundo e não sofra de algum modo, por mais que queira esquivar-se de todos os modos das dores e cruzes diárias.
Entretanto, não há palavra que fira mais os ouvidos do homem contemporâneo do que o vocábulo dor e outros semelhantes, pois, por causa do pecado original, o ser humano é levado a crer que é possível alcançar a glória sem a dor e, portanto, ser feliz sem sofrer.
Assim sendo, a liturgia deste domingo desenvolve a temática do sofrimento. Na primeira leitura, do livro do profeta Isaías,[1] vemos descrito o Servo Sofredor que se entrega de corpo inteiro às cruzes que Deus lhe impôs:
“Ofereci as costas para me baterem e as faces para me arrancarem a barba; não desviei o rosto de bofetões e cusparadas” (Is 50,6).
Tanto neste trecho selecionado de Isaías como no salmo responsorial, a liturgia demonstra qual deve ser a adequada atitude de alma diante das dores e cruzes:
“Mas o Senhor Deus é meu auxiliador, por isso não me deixei abater o ânimo, conservei o rosto impassível como pedra, porque sei que não sairei humilhado” (Is 50,7).
E o salmista completa a súplica:
“Prendiam-me as cordas da morte, apertavam-me os laços do abismo; invadiam-me angústia e tristeza. Eu então invoquei o Senhor: ‘Salvai, ó Senhor, minha vida’” (Sl 116,3-4).
Ou seja, diante da cruz e da dor, devemos, sim, suportá-las, mas não de modo meramente passivo, mas sim oferecendo-as ao próprio Deus e à sua a divina vontade, pedindo seu auxílio constantemente. Deste modo, nossos padecimentos não serão inúteis. Isto porque, de acordo com São Paulo, teremos presente que uma tribulação momentânea e passageira acarretará para nós uma glória eterna e incomensurável (cf. 2Cor 4,17).
Na carta de São Tiago, o Apóstolo trata sobre a importância de provarmos nossa Fé pelas obras:
“Meus irmãos, que adianta alguém dizer que tem fé quando não há põe em prática?” (Tg 2,14)
Qual pode ser, portanto, um modo de demonstrar a fé pelas obras? A virtude sobrenatural da fé tem como objeto as realidades e promessas sobrenaturais que Deus nos fez. Ora, a virtude da caridade, a mais excelente entre todas as virtudes (cf. 1Cor 13,13), nos faz amar o Autor dessas promessas em si mesmo, ou seja, por Ele ser quem é, ainda que não nos concedesse nenhuma recompensa nesta vida nem na futura.
Assim, aceitando nossas cruzes diárias por amor a Ele, colocamos em prática nossa fé. Porque, se é verdade que seremos recompensados na vida post-mortem, não abrimos mão do menor sofrimento que seja para, por meio deste ato amor, demonstrar a Deus que de fato desejamos gozar de sua eterna visão, e Lhe damos mostras de que não medimos esforços para isso.
Cristo ou demônio
Por fim, no Evangelho de São Marcos, o Divino mestre indaga seus discípulos sobre o que diziam a seu respeito. E São Pedro, o príncipe dos apóstolos, se antecipa na resposta e faz sua confissão de fé: “Tu és o Messias” (Mc 8,29). Na versão do fato narrada por São Mateus, verificamos que, após a confissão de Pedro, Jesus o proclama bem-aventurado, porquanto não foi um ser humano que o havia levado a fazer tal profissão de fé, mas seu Pai que está nos céus, e, por essa razão, o declarou pedra sobre a qual seria fundada a Igreja (cf. Mt 16,17-19).
Apenas dois versículos depois, quando Nosso Senhor anuncia a seus discípulos a Paixão, o mesmo Pedro, pouco antes movido pelo Espírito Santo, chamou seu Mestre à parte e O repreendeu, por lhes estar anunciando seus padecimentos. E o primeiro papa, então, rogou a Deus que não permitisse tal coisa a quem tanta amava (cf. Mt 16,21-23). Ao que Jesus interveio:
“Vai para longe de mim, satanás! Tu és para mim uma pedra de tropeço, pois não pensas como Deus, mas sim como os homens” (Mt 16,23).
O que sucedeu? São Pedro, não mais movido pelo Espírito Santo, mas por critérios errôneos, dissociou a glória da dor, e por isso quis afastar a Cruz de seu Divino Mestre, o que lhe mereceu ser chamado de satanás pelo próprio Deus, que outrora o proclamou como primeiro papa.
Lição para nós: per crucem ad lucem, pela cruz alcançamos a luz e obtemos a glória. Peçamos que a Divina Providência, por intermédio de São Pedro, nos conceda a graça de jamais sermos “demônios”, esquivando-nos dos sofrimentos diários enviados para nossa santificação. Mas sigamos por inteiro a Cristo, do modo como ele nos indicou:
“Quem quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me” (Lc 9,23).
Por Guilherme Maia
Fonte: gaudiumpress.org
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